A ferrovia Madeira Mamoré
A construção da Ferrovia Madeira Mamoré marcou um importante ponto nas relações diplomáticas entre Brasil e Bolívia. Constitui-se também num elemento definidor da ação Imperialista de potências estrangeiras na região amazônica. A Madeira Mamoré representa um dos marcos da modernidade capitalista liberal nos confins da selva do Madeira.
A construção da EFMM objetivava atender as necessidades de transporte de mercadorias e cargas pelo trecho encachoeirado do Madeira e Mamoré. Deveria facilitar o escoamento da produção de borracha e das exportações bolivianas. A construção da ferrovia atende também ao que foi previsto pelo Tratado de Petrópolis e constituiu-se em um dos elementos decisivos para o impulso do recente processo de migração para a região desencadeada a partir do século XX. Ao longo da ferrovia surgiram diversos núcleos de povoamento e dois munícipios; Porto Velho e Guaiará-Mirim.
'Trabalhharam em suas obras mais de 20.000 operários de diversas nacionalidades. Calcula-se que 6.500 trabalhadores tenham morrido vitimas das doenças tropicais. A obra custou o equivaiente a vinte e oito toneladas de ouro pelo câmbio de 1912. A construção da ferrovia deu a Companhia Madeira Mamoré o direito de exploração das terras que lhe eram adjacentes.
Com a crise da borracha e a retração da economia amazônica EFMM entrou em decadência. Foi nacionalizada em 193 1 e desativada pelo 5° BEC por ordem do Ministério do Interior, em 10 de julho de 1972. Alguns pequenos trechos, no entanto, foram reativados no início da década de 80 para fins turisticos em Porto Velho e Guajará-Mirim durante o governo do Coronel Jorge Teixeira.
1861: Quentin Quevedo a serviço do governo boliviano faz estudos sobre a viabilização. de transportes nos trechos encachoeirados do Madeira e do Mamoré, a Bolívia precisava criar condições satisfatórias para a exportação através do Atlântico, das mercadorias produzidas no Altiplano e nas áreas da Planicie Amazônica. O governo do Amazonas envia João Marfins da Silva Coutinho para efetuar estudos semelhantes na região. Ambos os relatórios apresentam conclusões semelhantes apontando-se para a necessidade de construção de uma ferrovia na região encachoeirada.
A Guerra do Paraguai leva o Estado Brasileiro a enviar um destacamento militar para as selvas do Madeira fixando-se na primeira cachoeira, no povoado de Santo Antônio, garantindo a manutenção e viabilização da rota fluvial do Madeira que possibilitou a comunicação com o Mato Grosso durante o conflito contra Solano Lopes.
1867-1868 o governo de Dom Pedro 11 envia para o vale do Madeira os engenheiros alemães Franzc joscph Keller que realizam estudos para a viabilização de transportes no trecho encachoeirado do Madeira.
1869: George Earl Church obtém concessão do governo boliviano para explorar os transportes entre o Madeira e o Mamoré. Seus planos são modificados para a construção de uma ferrovia pelos vales do Madeira e Mamoré.
1870-1873: Church obtém do governo brasileiro a permissão para construir uma ferrovia no vale do alto Madeira. É criada a Madeira-Mamoré Railway Cornpany Ltd. Chegam a Santo Antônio 25 engenheiros da empreiteira inglesa Publics Works, contratada por Church para as
obras da EFMM. Após ataques indígenas, surtos de febre malária e fome, os engenheiros e os trabalhadores da Publics Works abandonam Santo Antônio e consideram impossível a construção da fecrrovia
1877-1881: Church contrata os serviços da empreiteira norte-americana p & T Collins para a construção da EFMM. Partem da Filadélfia navios, equipamentos, materiais ferroviários, provisões e trabalhadores para Santo Antônio do Madeira. O navio Metrópolis naufraga perdendo 700 Ton. de carga e 80 trabalhadores destinados a ferrovia ( 29 de janeiro de 1878). Ao se inaugurado o primeiro trecho da ferrovia, a locomotiva capota. Crises, atrasos nos pagamentos, doenças tropicais, ataques indígenas e dificuldades ambientais derrotam a P & T Collins que declara falência em 1881.
1882-1884: As expedições Morsing e Júlio Pinkas atuam no vale do alto Madeira.
1903: Em 10 de outubro, é assinado o Tratado de Petrópolis e o Brasil se compromete junto a Bolívia na construção da EFMM.
i905: O Ministério da Indústria e Comércio realiza licitação para a construção da EFMM. O engenheiro carioca Joaquim Catramby vence e repassa os direitos a Percival Farquhar que cria a Madeira Mamoré Railway Company, com sede no Maine/EUA
1907-1912: Construção da EFMM pela empreiteira May, Jekyll and Randolph/Fundação' de Porto Velho/Oswaldo Cruz visita Porto Velho durante uma epidemia de malária e febre amarela/Construção do Hospital da Candelária/O vapor Satélite chega a Santo Antônio do Madeira com uma carga humana de degredados ligados aos movimentos da Revolta da Armada no Rio de Janeiro.
1908: Criado o município e a Comarca de Santo Antônio do Madeira.
1914: Criado o município de Porto Velho.
1915: Instalação do município de Portão Velho tendo como primeiro superintendente o Major Guapindaia.
1919: Porto Velho é elevado a categoria de cidade.
1930: Getúlio Vargas assume o poder e o tenente Aluizio Ferreira, delegado do chefe do governo provisório do Amazonas, assume a direção da linha telegráfica de Santo Antônio. Aluizio Ferreira intervém na Madeira Mamoré.
1931: O governo de Getúlio Vargas decreta intervenção federal sobre a EFMM e nomeia Aluizio Ferreira como seu diretor.
1966: O 5° BEC instala-se em Porto Velho e procede à extinção da EFMM em 10 de julho de 1972.
A força de trabalho na construção da E.F.M.M
Para que fosse construída uma ferrovia em plena selva, eram necessários trabalhadores. Na Amazônia do auge do ciclo da borracha todo o insuficiente volume de mão de obra estava alocado na produção do látex, a expansão das zonas de produção era abastecidas pela exploração do silvícola e pelo aliciamento de mão de obra em outras regiões do Brasil, principalmente do nordeste que na Amazônia, preso ao endividamento se via impossibilitado de escolher outra ocupação. Esses fatores dificultavam o recrutamento local de um contingente de trabalhadores que fosse suficiente para a construção da ferrovia e também impossibilitava um fluxo constante de trabalhadores durante toda a fase da construção, para repor as baixas ocasionadas por ataques de indígenas, feras, acidentes de trabalho e, principalmente, pelas doenças epidêmicas da região, previsíveis em face das tentativas anteriores de construção da ferrovia.
Para reunir esse contingente trabalhadores foram recrutados em diversas regiões do pais, notadamente do Nordeste que foram enviados para os Vales do Madeira e Guaporé, além desses houve também a contratação de mão de obra. Esses trabalhadores nacionais e estrangeiros além de atuarem na construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, foram utilizados em diversas outras circunstâncias nos seringais, na construção da linha telegráfica Mato Grosso/Amazonas e na demarcação territorial do atual estado de Rondônia.
O grupo de Farqühar tentou, inicialmente, a "importação" (assim era chamado o processo de captação de mão de obra) de trabalhadores espanhóis que haviam servido à construção das estradas de ferro que Cuba. onde algumas concessões pertenciam a este empresário. Contudo a divulgação dos perigos e da insalubridade da região da Madeira-Mamoré teria afugentado esses primeiros trabalhadores.
Então um certo capitão Walter Dudley propôs a idéia de aliciar nativos das colônias inglesas da América Central. A vantagem da atração desse tipo de mão de obra estava em que muitos já haviam adquirido experiência na construção de ferrovias e do canal do Panamá, em sua região de origem. Em segundo lugar, as perspetivas de absorção da força de trabalho nessas colônias eram poucas em face de problemas econômicos ali existentes.
Durante a primeira fase da construção da ferrovia, ainda no século XIX, já se registram a presença dos barbadianos entre os quase mil trabalhadores que embarcaram ramo às selvas de Santo Antônio do Rio Madeira. A presença maciça desses grupos negros caribenhos só se tomou uma força de expressivo destaque nos trabalhos da ferrovia a partir do século XX. Esses operários já haviam sido utilizados com extremo sucesso em outra empreitada de grandes dimensões, a construção do Canal do Panamá. Sua experiência em um ambiente tropical hostil, como as selvas panamenhas, aliadas a seu vigor ~sico e ritmo altamente disciplinado fizeram deles elementos chave do empreendimento.
Além desses, várias outras nacionalidades se fizeram representar no contingente de trabalhadores da ferrovia como: italianos, norte-americanos, ingleses, gregos, hindus, espanhóis, portugueses, recriando na Amazônia o mito bíblico de uma nova babel do imperialismo. Contudo, parecem ter predominado esse conjunto de operários caribenhos. Procedentes de diversas nacionalidades centro-americanas, Barbados, Tfinidad, Jamaica, Santa Lúcia, Martinica, São Vicente, Guianas. Granadas e outras ilhas das Antilhas, esses negros, de formação protestante e idioma inglês eram, de forma geral denominados "barbadianos".
Em meio à euforia da borracha contigentes de operários construíram um dos maiores marcos da modemidade da Amazônia. A legendária Madeira-Mamoré, que interligava os trechos encachoeirados do Madeira ao Mamoré, deveria ser um símbolo. Como representação máxima da tecnologia e da civilização, ela deveria estabelecer e viabilizar as práticas do capitalismo nos ermos do extremo sertão oeste, em pleno mundo encharcado da Amazônia. Palco de um espetáculo audacioso e ao mesmo tempo trágico, os trilhos da E.F.M.M. repousaram sobre as vidas de milhares de operários, que em suas obras vieram trabalhar.
* FONSECA, Dante Ribeiro da & TEIXEIRA, Marco Antônio Domingues.
Barbadianos: Os Trabalhadores Negros Caribenhos da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Porto Velho: Fundação Universidade de Rondônia/Departamento de História, 1999.